Fevereiro será o mês do contouring aqui em Skin Quer.
Todas as semanas um novo ponto de vista sobre a maior das tendências de maquilhagem.
Muito brevemente, porque de repente não sei se vos apetece estar em permanentes lições de História, o contouring é a evolução de uma maquilhagem muito complexa, tradicionalmente utilizada por actores de Teatro, cantores de Ópera e alguns bailarinos.
O Teatro nasceu na Grécia e embora se recorresse ao uso de máscaras enquanto se representava tragédia ou comédia, o primeiro registo do uso de maquilhagem por um actor remete ao Teatro grego.Thespis, de seu nome, é o primeiro actor de que há registos. Consta que foi ele quem inventou esta ideia da própria figura humana a representar uma história. Foi o primeiro actor a decorar textos escritos, foi o primeiro actor premiado e foi ele quem inventou as digressões, ao viajar de terra em terra numa carroça com os seus figurinos para apresentar as peças. Também é a Thespis, que viveu no séc. VI a.C., que se atribui este facto de ter sido ele quem usou pela primeira vez alguma maquilhagem para representar, dispensando o uso da tradicional máscara.
Thespis pintou a sua cara de branco com uma mistura vagamente tóxica de chumbo e mercúrio, para obter uma cobertura branca e encarnada.
Dentro do género substâncias tóxicas para cobrir a cara enquanto se representava, a maquilhagem foi sempre sendo utilizada como máscara, como substituto da máscara, sendo que ao longo da Idade Média e até ao Renascimento, as personagens respondiam a códigos cromátcos específicos.
É com o desenvolvimento da complexidade da iluminação nos teatros, que começam a ficar maiores e mais capazes de albergar mais público, que a maquilhagem de palco começa também ela a evoluir. Da iluminação irregular proporcionada por lustres carregadinhos de velas que derramavam cera para cima dos actores e do público e que se apagavam quando extinto o pavio à nova iluminação a gás, a maquilhagem acompanhou a evolução.
Assim, o expoente máximo da maquilhagem teatral data do século XIX e não é uma invenção espontânea, senão a evolução de várias técnicas anteriores, mehoradas por um cantor de Ópera alemão, que também era estudante de química. O que é que ele fez? Então, criou um stick de gordura misturada com pigmentos capaz de unificar a pele com uma cobertura intensa e de a tornar mais plástica e expressiva em palco debaixo de tanta luz.
A caixinha de maquilhagem criada por Leichner tinha sticks de várias espessuras e os tons existiam do mais claro para o mais escuro, do 1 por diante, respectivamente. Os sticks mais grossos serviam para cobrir a pele, os mais finos para realçar linhas.
Decorria o ano de 1873, estava-se em Berlim e o homem chamava-se Ludwig Leichner. Parece uma lógica familiar?
Claro que parece, porque ainda hoje nos regemos pela mesma ordem!
Ora bem, aquilo que o clã Kardashian popularizou, o Mario, formado pelas horas passadas com a mana Kim, mais os milhões de tutoriais de contouring que existem no Youtube são apenas e só a evolução da maquilhagem de palco.Jamais na vida pensámos em andar com a cara tão coberta de maquilhagem como os actores de Teatro ou cantores de Ópera.
Aquelas maquilhagens carregadas de linhas e de esbatimentos e uma aplicação severa de pó para fixar maquilhagem e retirar brilhos, coberturas capazes de resistir ao calor dos projectores e aguentar três horas de espectáculo com esforço físico e retoques em mudanças de cena não são maquilhagens para o dia-a-dia. São maquilhagens para isso mesmo, para palco.
Porém KUWTK é o ponto de viragem para este momento-tendência: ao serem as estrelas maiores do reality-show mais popular do planeta e estarem em constante movimento dentro e fora de palcos, com filhos, dramas, mudanças de sexo, divórcios, casamentos, fashion weeks, e idas à rua em activewear, a maquilhagem Kardashian, que é mais ou menos aquele look “no makeup” makeup, mas com a cara carregadinha de betume, faz parte do folclore disponível. E sim, são as Kardashians que trazem o contouring para fora do palco, para a plateia, como se de um quadro de revista se tratasse. Há tempo suficiente que sabemos que todos os passos Kardashian são calculados e rentabilizados como entretenimento, vai daí… Porque não adoptar também o contouring?
A ideia de usar maquilhagem de palco na vida.
O contouring é super Shakespeariano.
É super aquela frase do As You Like It “(…) O mundo inteiro é um palco | E todos os homens e mulheres não passam de meros atores | Eles entram e saem de cena | E cada um no seu tempo representa diversos papéis. (…)“.
Mas também é super Orwelliano, super “1984“.
UH.
É extraordinário como em pouco menos de três anos (desde que Kim se tornou uma estrela de Instagram), o mundo ficou histérico com a ideia desta “nova” técnica, o contour, e toda a gente quer aprender a fazê-lo de forma rápida e simples, em casa, para usar todos os dias. A febre é tal que Mario já é o maquilhador mais famoso do mundo 8óbvio, ‘né?) e o regresso à maquilhagem é uma realidade, com a maioria das marcas a lançar paletas de nudes e tons “naturais” para o embelezamento “natural” das expressões individuais. A História da Maquilhagem explica-nos como no quotidiano a maquilhagem tem desde sempre vindo a querer criar uma máscara de perfeição transversal: as doenças como a varicela ou o sarampo deixavam marcas na pele, as chamadas “bexigas”, que se queriam corrigidas a todo o custo.
Hoje em dia, a lógica continua e segue o padrão previamente estabelecido.
É impressionante como por um lado caminhamos para os desafios tendência das #mulheresreais sem maquilhagem nem artifício, mas por outro procuramos técnicas de aplicação de maquilhagem capaz de criar uma ilusão de óptica permanente por forma a evidenciar e ocultar traços sem recorrer à cirurgia estética, vagamente mais cara que uma palete de castanhos em creme.
Porque é que o contouring é tão atraente?
Porque promete alterar as nossas feições e oferecer-nos outras. Porque promete dar-nos aquilo que não somos, e isso é sempre O desejo.
O contouring enquanto máscara social vem ajudar a Mulher e o Homem a enfrentarem o seu quotidiano de uma forma muito mais defendida, muito mais feliz e segura de si. Se a maquilhagem ajuda o ser humano a esgueirar-se por entre os perigos da insegurança, por entre os defeitos que iniste em procurar, o contouring oferece a hipótese de redenção numa só paleta e em três ou cinco ou dez minutos de tutorial de Youtube.
Um aparte, a querida Lisa Eldridge fez um vídeo sobre os piores e os melhores looks da história da maquilhagem. https://www.youtube.com/watch?v=i8e5D83P6UI Também publicou um livro à pouco tempo sobre a história da maquilhagem. http://www.lisaeldridge.com/facepaint/#.VrfRdMdDZ8k
Que lindo!
Haja História!!!
<3